quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O que é o poder: pensar com Foucault



O que é o poder: pensar com Foucault
Alípio de Souza / Depto. Ciências Sociais / UFRN
Transcrição adaptada do programa Café Filosófico exibido pela TV Universitária - UFRN
A positividade do poder
Foucault constrói seu pensamento opondo-se a duas concepções correntes sobre o poder. Uma seria o poder enquanto contrato, encontrada nos filósofos do século XVIII, e outra seria a concepção do poder enquanto aparelho de repressão. Concepções que influenciaram desde liberais até marxistas, as quais ele contrapõe outras ideias.
A primeira delas e a mais essencial é procurar demonstrar que o poder se constitui de um conjunto de dispositivos de sujeição, que são ao mesmo tempo dispositivos de produção dos indivíduos. Analisando as sociedades ocidentais modernas, nós indivíduos somos fabricados pelo poder e nisso não há nenhum mistério. Quando pensa os indivíduos fabricados pelo poder, ele está simplesmente apontando a existência de experiências ou de espaços como a família, a escola, as igrejas, ciências, diversas sócio-técnicas existentes na nossa sociedade, como dispositivos de poder, dispositivos de produção dos indivíduos. Por que pensar esses espaços em instâncias como poder? Por que esses são espaços e experiências de produção de subjetivação na sujeição. O poder é isso: modos de subjetivação que são sempre já, controle, domesticação, fabricação de corpos, atos, pensamentos. Assim em Foucault, nós poderíamos dizer que o poder existe como uma maquinaria sem maquinista.
http://1.bp.blogspot.com/_JObk-68BqF8/TNFgkCLUGmI/AAAAAAAAAUI/XV43FANMuzE/s1600/Latuff+f%C3%A1brica.jpgÉ bastante conhecida, quase um clichê quando se fala de Foucault, dizer que tratando-se de pensar o poder, convém não pensá-lo enquanto alguma coisa que se poder dizer dele, como alguém o tem ou que não o tem, ou seja,  o poder não é alguma coisa que se possa dizer ser um bem,  ou  um objeto fixo, nem é uma realidade da qual possa se dizer eu tenho o poder ou eu não tenho o poder. Em termos foucaultianos isso não faz o menor sentido, porque o poder não é uma coisa, não é um objeto fixo. O poder é um exercício de múltiplas sujeições.
O poder é pensado então, como um conjunto de dispositivos em constante funcionamento, é algo que funciona em rede, é algo como um exercício de sujeições contínuas multiplicadas, é alguma coisa que circula, é alguma coisa que se faz existir enquanto práticas. Portanto é uma realidade que não pode ser pensada em algo que tem um centro, que tem um topo, uma realidade física, uma sede. E é isso que aparece nas concepções as quais ele se opõe, tanto na tradição liberal como na marxista, a ideia do poder como um objeto, como algo fixo, seja na teoria do contrato ou do poder enquanto repressão. Nesse sentido a melhor imagem para pensar o poder em Foucault é aquela em que ele diz que o poder não deve ser pensado olhando-se para o Rei, para o topo, mas sim para as realidades que constituem os súditos.
Portanto, sempre temos a ideia de que o poder deve ser entendido como esse conjunto de mecanismos, que produzindo, fabricando os indivíduos se espalha na sociedade enquanto uma rede de práticas, saberes constitutivos disso que vamos chamar a realidade do indivíduo. Dessa maneira Foucault torna possível pensar o poder sem seus fundamentos econômicos, e sem a sua relação com as classes sociais, isso que é algo bastante próprio do pensamento dele, e que de fato produz aí todo um diálogo, crítico e bastante tenso com as correntes marxistas. Para Foucault o poder necessariamente não vai atender a um princípio econômico.
Em primeiro lugar o poder se faz existir como um saber e como uma técnica de fabricação de indivíduos sujeitos a disciplinas. Disciplinas do pensamento, dos hábitos, da sexualidade, do desejo. E por isso mesmo; e aí fazendo lembrar o antigo instrumento de cordas ou correias que os monges se aplicavam nos mosteiros que eram as disciplinas, o chicote, o suplício dos penitentes; Foucault resgata essa semântica desse instrumento e vai chamar de poder disciplinar o poder nas sociedades modernas, pensando nesse poder como aquele que procura reger a multiplicidade dos indivíduos na medida em que essa multiplicidade pode ser padronizada, homogeneizada, ser reduzida a um padrão, a um modelo, aquele que procura a sociedade, mas sem que isso implique em um esvaziamento daquilo que seria o corpo individual.
Para Foucault a produção do indivíduo pelo poder disciplinar é a produção de corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, e só eventualmente punidos, como se sabe uma das teses que Foucault mais critica é a ideia de que o poder é uma potência repressiva, que representaria a potência do não, da negação. Ele chama isso de hipótese repressiva e em oposição a ela é preciso pensar que o poder tem uma positividade, que não deve ser confundido com o lado bom ou positivo do poder. Oposta à ideia do poder enquanto repressão ele vai dizer que o poder tem uma positividade que está no fato de que ele produz, ele cria, ele engendra, ele fabrica.
Agimos agidos pelo poder
O poder não é o que impede, o poder é o que impele. Impele o indivíduo a agir, impele o indivíduo a pensar. Só que, impele o indivíduo a agir, mas agir na sujeição. Então, dessa maneira, podemos dizer que o poder é capaz de fazer com que ajamos agidos. Agimos agidos pelo poder, mas sem consciência disso, daí o fato de que agimos na ilusão de que somos livres, pensando que temos nossas próprias ideias, nossas próprias opiniões, quando de fato, agimos agidos porque somos fabricados, produzidos pelo poder. Nós agimos em conformidade com aquilo que o poder produz em nós, seja em nossos pensamentos, seja em nossos atos. Isso faz com que nessa reflexão se torne possível dizer que o fato de agir agidos pelo poder, sem ter consciência disso, faz com que enquanto indivíduos sociais, tornemo-nos cúmplices.
Esse sempre foi o projeto intelectual de Michel Foucault, em todo seu vasto programa de pesquisas, estava sempre presente a ideia de denunciar o fato da dominação, que se esconde nas múltiplas sujeições, nos múltiplos exercícios dissimulados da domesticação social. Foucault fazia aparecer a ideia de que o fato bruto da dominação, que se oculta justamente nesses vários espaços, vários saberes que circulam na sociedade, não aparecem enquanto práticas de sujeição e dominação, mas que de fato é o exercício que se dá, o exercício da sujeição dos indivíduos.
Foucault então na sua vasta obra vai fazer aparecer diversos exemplos, o nascimento das diversas instituições de saberes, no campo médico, no campo da educação, da política, da administração, e todas essas experiências como traduzindo a invenção social, histórica, de mecanismos de poder multiplicados, mas sem uma coordenação única, e sem uma estratégia prévia.
Não se trata mais de pensar o poder enquanto uma coisa que tem uma estratégia única ou pensada para a dominação dos indivíduos. Essa é a ideia da maquinaria sem maquinista. Portanto não há uma coordenação única e não há uma estratégia prévia. O poder nasce justamente da invenção, do aparecimento, desses espaços, desses saberes, dessas técnicas que vão, enquanto tais, se ocupando de produzir os indivíduos, de produzir subjetivação na sujeição, isso é que é o poder. Portanto, em termos foucaultianos, o melhor é evitar o singular e não falar mais de poder e sim de poderes.
Oposição ao poder
Coerente com essas ideias Foucault vai formular, no campo já de uma resposta política-epistemológica dessa reflexão, a ideia de que se o poder tem essas características, aquilo que pode se opor a ele deverá ter também características correspondentes. Isto é, tratando-se de pensar lutas de emancipação, enfrentamentos do poder, a perspectiva agora não é mais a perspectiva de uma luta única, de um enfrentamento único, mas agora de um enfrentamento multiplicado, diversificado, em conformidade com essa natureza do poder que é essa natureza diversificada, ramificada, multiplicada, no corpo social inteiro.
Daí que ele vai pensar essas formas multiplicadas de enfrentamento ao poder, ele vai chamar de lutas pontuais, lutas específicas, que são lutas de crítica e resistência. No pensamento de Foucault entra em colapso a ideia de revolução, como pensada pelo pensamento marxista, como um enfrentamento único, como superação de um poder, para o estabelecimento de uma nova realidade.
Não é possível pensar essa revolução proletária onde se pensa a tomada do poder, primeiro porque não há poder nenhum a tomar, porque o poder não tem sede única, sede fixa, não é um objeto, não é uma coisa que se possa dizer não tenho o poder, então vou tomar o poder, um individuo, uma classe ou um grupo. 
Em segundo lugar, pensar os indivíduos enquanto fabricados pelo poder, faz cair por terra também a ideia de um proletariado ou uma classe, que seria potencialmente revolucionária. Temos aí que os poderes produzindo os indivíduos na sujeição, na domesticação, serão indivíduos fabricados na desmobilização para os enfrentamentos com o poder. O efeito mais poderoso dessa maquinaria do poder na sociedade é que os indivíduos serão socialmente úteis e politicamente dóceis, portanto aí ocorre a inexistência de uma classe potencialmente revolucionária.
Foucault apresenta uma ideia bastante consistente que é que aquela de que o que nós podemos fazer se desejamos mudanças sociais o que nos resta é oferecer enquanto pontos de resistência à dominação. Isso quer dizer primeiro uma mudança de si, e junto disso o engajamento em lutas específicas, pontuais, que são as lutas que de alguma forma Foucault passou a ser uns dos inspiradores, senão em alguns casos, quase um guru: a luta das mulheres, a luta de minorias étnicas, a luta dos homossexuais, dos estudantes, e mesmo de setores das classes trabalhadores. Mas sempre com essa ideia de que esses são enfrentamentos parciais, são enfrentamentos sem vitória.
Onde há poder há resistência
Uma ideia também muito forte que esta nas reflexões de Foucault pelo poder é a de que onde há poder, há resistências, mas a resistência sempre como aquilo que podemos oferecer enquanto indivíduos produzidos pelo poder, numa perspectiva agonística, enquanto arte da luta. Portanto os enfrentamentos do poder enquanto alguma coisa que, sem vitória de nenhum lado, se produz como arte da luta. Não há vitória, a possibilidade é de resistir, de oferecer resistências é de fazer a crítica, é de multiplicar as formas de resistência e crítica a essa realidade do poder que multiplica suas formas, que se renova em constância, em permanência, que não se fixa em ponto algum, que não tem sede única, que não tem um titular único.
Dessa maneira, se abre uma ideia nova em certo sentido, e ela sim verdadeiramente revolucionária porque tem esse potencial de criticidade, por nos chamar a atenção da importância de nos oferecer enquanto pontos de resistência à dominação na vida cotidiana. Importante chamar a atenção para a  lucidez e o alcance profundo que tem essa perspectiva de Foucault, porque nos tira da ilusão moderna que o campo teórico-filosófico nos colocou, seja na tradição liberal, seja na tradição marxista, que é pensar a relação com o poder como alguma coisa exterior a nós próprios.
Enquanto tenho uma relação de exterioridade, então posso falar do poder como alguma coisa que está longe de mim, e dessa forma, também vivendo a ilusão de que o poder não me concerne. Ora, a reflexão é lúcida por colocar os termos de uma outra maneira, ora o poder concerne a cada um de nós, no sentido de que somos fabricados por ele. Agindo agidos pelo poder, nossos atos, nossos pensamentos, são atos, são pensamentos de poder; agindo sobre o outro, na relação com o outro, eu também exerço o poder. Lucidez porque na própria formulação foucaultiana, ele diz que convém pensar o poder não como uma coisa muito longe, aquela imagem, na teoria da soberania como o poder que está na sede do palácio, o poder se confunde com o governante, com o aparelho de repressão do Estado.
Ora olhando mais de perto, o poder me atravessa, me concerne muito diretamente, como penso, como ajo, posso, em geral é o caso; agir, pensar, exercer o poder, e é sempre esse o caso. E de alcance profundo porque essa não me parece uma reflexão que se limite ao caso das sociedades burguesas modernas, essa não é uma reflexão que se limitaria ao caso das sociedades capitalistas, como alguns chegam a querer acreditar. Na reflexão de Foucault se põe o entendimento do poder enquanto um fenômeno que está presente onde exista vida social e coletiva.
Para finalizar, esse é um pensamento que, não sem razão, foi tomado como uma inspiração forte para diversos movimentos de emancipação nos diversos países, as lutas que ele já chamava de lutas específicas, ou lutas pontuais. Trata-se de uma reflexão capaz de orientar lutas, cujo objetivo não é uma vitória final sobre nada, mas desse enfrentamento agonístico, onde o que se pode é oferecer resistência e crítica. Daí sua atualidade, sua permanência entre nós como um pensamento de grande importância nesse campo mesmo da formulação de ideias críticas de enfrentamento à maquinaria do enfrentamento do poder que nos produz que nos fabrica. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O amor é uma falácia



O amor é uma falácia

Adaptação do texto de Max Shulman.


Narrador: Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto – era tudo isso – e acreditem - modesto. Tinha o cérebro poderoso como um motor de Fórmula 1, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha - imaginem só - apenas 17 anos. Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu colega de sala, Pedro.
Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma vaca. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar-se a alguma idiotice só porque os outros a seguem, isto, para mim, é o cúmulo da loucura. Pedro, no entanto, não pensava assim.
Certa tarde encontrei-o deitado com tal expressão de sofrimento no rosto, se contorcendo, que o meu diagnóstico foi imediato: apendicite!
Mateus: Não se mexa. Vou chamar o médico.
Pedro: (balbuciou): Aiiii... Aiiiii... iPhone!
Narrador: Interrompi minha corrida.
Mateus: iPhone?
Pedro: (gemendo): Quero um celular da Apple.
Narrador: Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
Mateus: Por que você quer um iPhone?
Pedro: (gritando e dando tapas na própria cabeça): Eu devia ter adivinhado que ia precisar de um! Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro e agora estou liso!
Mateus (incrédulo): Quer dizer que você está sofrendo por isto?
Pedro: Todos os alunos descolados da escola têm! Onde você tem andado?
Mateus: Na biblioteca, um lugar não muito frequentado pelos alunos descolados da escola.
Narrador: Ele levantou e pôs-se a andar de um lado para o outro.
Pedro: O som é perfeito, a cam é perfeita, preciso conseguir um iPhone. Preciso!
Mateus: Por que, Pedro? Veja a coisa de maneira racional. Pense! Enfiar um fone dentro do ouvido, para ouvir música muito alta o dia inteiro, prejudica a audição. Pode até te deixar surdo! Além disso, esses alunos descolados vivem tentando enviar e receber mensagens durante a aula, o que só prejudica a atenção deles.
Pedro: (com impaciência): Você não compreende. É o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?
Mateus (sinceramente): Não.
Pedro: Pois eu, sim! Faria tudo para ter um iPhone. Tudo!
Narrador: Aquele instrumento de precisão, meu poderoso cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
Mateus: (examinando o rosto dele com os olhos semicerrados): Tudo?
Pedro: (em um tom dramático): Tudo!
Narrador: Alisei o meu queixo e comecei a pensar. Eu, por acaso, sei onde conseguir um iPhone. Meu irmão já quis me dar um, mas eu não me interesso por essas parafernálias tecnológicas . Acho que se eu pedisse ele não iria me negar.
E, também por acaso, Pedro tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à Jéssica. Eu há muito desejava Jéssica. Apresso-me a esclarecer que meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvidas, despertava paixões. Era daquelas que decretavam feriado nacional por onde quer que passasse. Todos paravam para vê-la passar. Até mesmo - ou principalmente - as mulheres, se corroendo de inveja... mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Jéssica para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.
Meu sonho era cursar Direito. Dali a alguns anos estaria me iniciando na profissão. Eu sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Jéssica preenchia perfeitamente todos esses requisitos.
Ela era linda. Graciosa também era. Por graciosa, quero dizer, cheia de graças sociais. Finíssima! Tinha o porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. À mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Jéssica na cantina da escola comendo a especialidade da casa - um sanduíche natural de frango, com alface e molho - sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava que, sob minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos, valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.
Mateus: Pedro! Você ama Jéssica?
Pedro: Acho-a uma boa garota, mas não sei se chamaria isso de amor. Por quê?
Mateus: Você tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?
Pedro: Não. Ficamos juntos, quase sempre, mas saímos os dois com outros amigos também. Por quê?
Mateus: Existe algum outro homem de quem ela goste de maneira especial?
Pedro: Que eu saiba, não. Por quê?
Mateus (fazendo que sim, com a cabeça, satisfeito): Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isto?
Pedro: Acho que sim... Que papo estranho é esse?
Mateus: (com inocência): Nada, nada.
Pedro: Onde é que você vai?
Mateus: Vou para casa.
Pedro: (apegando-se com força ao meu braço): Escute, em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar o iPhone?
Mateus: (piscando o olho misteriosamente): Posso até fazer mais do que isso. Até segunda.
Narrador: Peguei minha bolsa e saí. O final de semana demorou a passar. Eu estava ansioso para encontrar Pedro: na segunda e quando cheguei na escola fui logo falar com ele. Abri a bolsa e tirei o iPhone que ganhei do meu irmão.
Mateus: Olhe.
Pedro: Caraca!
Narrador: Pedro exclamou, com reverência. Enquanto colocava o fone de ouvido e explora os recursos do aparelho.
Pedro: (repetindo umas quinze ou vinte vezes): Caraca! Caraca! Caraca!...
Mateus: Você gostaria de ficar com ele?
Pedro: (gritando e apertando a engenhoca contra o peito): Claro, claro!...
Narrador: Em seguida, seus olhos tomaram um ar precavido.
Pedro: O que você quer em troca?
Mateus: A sua ficante.
Pedro: (sussurrando, horrorizado): Jéssica? Você quer a Jéssica?
Mateus: Isto mesmo...
Narrador: Ele tirou o fone do ouvido, enrolou no iPhone e me devolveu bruscamente.
Pedro: (resoluto): Nunca.
Narrador: Eu dei de ombros.
Mateus: OK. Se você não quer ser descolado, o problema é seu...
Narrador: Sentei numa cadeira, coloquei o iPhone na mesa e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Pedro, com o rabo dos olhos. Aquele era um homem partido em dois. Primeiro olhava o iPhone, com a expressão de uma criança de rua à porta de um restaurante. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois, voltava a olhar para o aparelho, com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois, virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo aumentando, a resolução “despencando”. Finalmente não se virou mais; ficou olhando para o iPhone com pura lascívia. O desejo falara mais alto.
Pedro: (balbuciando): Não é como se eu estivesse apaixonado por Jéssica ou mesmo fosse namorado dela, ou coisa parecida.
Mateus: (murmurando): Isso mesmo...
Pedro: Afinal, Jéssica significa o que para mim, ou eu para ela?
Mateus: Nada.
Pedro: Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco, só isso... ficamos, às vezes.
Mateus: Ligue o iPhone.
Narrador: Entreguei o aparelho e ele obedeceu.
Pedro: (contente): O touch screen é incrível!
Narrador: Levantei da cadeira e perguntei, estendendo a mão:
Mateus: Negócio feito?
Pedro: (engolindo em seco e apertando a minha mão): Feito.
Narrador: Saí com Jéssica pela primeira vez na tarde seguinte. O primeiro programa teria o caráter de uma pesquisa preparatória. Eu desejava avaliar o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para comer pizza e ao cinema.
Jéssica: Puxa, que pizza massa!
Jéssica: Nossa, que filme massa!
Narrador: Levei-a para casa.
Jéssica: Puxa, foi um programa massa! Boa noite.
Narrador: Voltei para casa com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça parecia aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento a que eu me propusera era simplesmente gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Pedro Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos, no olhar de inveja que ela despertava nos homens e mulheres quando “desfilava” pelos corredores da escola, na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca e um garfo, e aí, decidi tentar novamente.
Procedi, como sempre, sistematicamente. Decidi dar-lhe um curso de Lógica. Acontece, que no ano anterior eu já havia tido aulas de Filosofia e de Lógica formal, e, portanto, tinha tudo na ponta da língua quando a fui buscar para o segundo encontro:
Mateus: Jéssica, esta tarde iremos até o parque conversar.
Jéssica: Que massa!
Narrador: Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo. Fomos até o parque, nos sentamos debaixo de uma grande árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.
Jéssica: Sobre o que vamos conversar?
Mateus: Sobre Lógica.
Narrador: Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:
Jéssica: Massa! Massa!
Mateus: (comecei, limpando a garganta). A Lógica é o estudo do raciocínio. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias ou sofismas, os erros mais comuns do nosso pensamento. É o que vamos abordar hoje.
Jéssica: (exclamou, sacudindo as mãos de alegria): Massa!
Narrador: Ela tinha a mesma expressão de perspicácia que se esperaria de uma foca diante da possibilidade de ganhar um peixe. Fiz uma careta de desânimo, mas segui em frente, com coragem.
Mateus: Vamos primeiro examinar uma falácia chamada generalização não qualificada.
Jéssica (piscando os olhos com animação): Vamos.
Mateus: Generalização não qualificada quer dizer um argumento baseado numa generalização. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
Jéssica: (fervorosamente): Eu estou de acordo. Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
Mateus (com ternura): Jéssica, esse argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordens de seus médicos para não se exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom pra maioria das pessoas. Senão, está se cometendo uma generalização não qualificada. Compreendeu?
Jéssica: Não. Mas isto é massa. Quero mais. Quero mais! Fala! Fala!
Mateus: Será melhor se você parar de puxar a manga do meu casaco! Em seguida, abordaremos uma falácia muito comum chamada generalização apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Pedro não sabe falar francês. Devo, portanto concluir que ninguém na escola sabe falar francês.
Jéssica: (espantada): É mesmo? Ninguém? Nem uma pessoa?
Narrador: Reprimi a minha impaciência...
Mateus: É uma falácia, Jéssica. Essa generalização foi feita de maneira apressada. Não há exemplos suficientes para justificar essa conclusão.
Narrador: Ela sorriu encantadora, mas eu pensei: mas que cara de retardada!
Jéssica: (animada): Você conhece outras falácias? Isto é melhor do que dançar!
Narrador: Esforcei-me por conter uma onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça. Absolutamente nada! Mas não sou outra coisa senão persistente. Quase teimoso. Continuei:
Mateus: A seguir, vem a ignorância de causa. Ouça: não vamos chamar o Flávio para ir à praia. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.
Jéssica: Eu conheço uma pessoa exatamente assim! Uma moça da minha rua, Rafaela. Nunca falha. Toda a vez que ela vai junto à praia...
Mateus: (interrompendo com energia): Jéssica! Isso é uma falácia. Não é a Rafaela que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em ignorância de causa se puser a culpa na Rafaela.
Jéssica: (contrita): Nunca mais farei isso. Você está bravo comigo?
Mateus (suspirei): Não, Jéssica. Não estou bravo.
Narrador: Talvez fosse mais fácil ensinar Lógica a um chimpanzé.
Jéssica: Então conte outra falácia.
Mateus: Muito bem. Vamos experimentar as premissas contraditórias. Se Deus pode fazer qualquer coisa, então pode criar uma pedra tão pesada que Ele mesmo não conseguirá levantar!
Jéssica (imediatamente): É claro...
Mateus: (exclamando): Mas, se Ele pode fazer tudo, então Ele também pode levantar a pedra!
Jéssica: (pensativa): É mesmo Bem, então, acho que Ele não pode fazer a tal pedra.
Mateus: Mas Ele pode fazer tudo.
Narrador: Ela coçou sua cabeça linda e vazia. Aquele cérebro poderia ser vendido como “zero quilômetros”. Jamais fora usado!
Jéssica: Estou confusa.
Mateus: É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?
Jéssica: (entusiasmada): Não, mas conte outra destas histórias massas. Estou adorando!
Narrador: Consultei o relógio.
Mateus: Acho melhor pararmos por aqui. Levarei você para casa, e lá você pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã à tarde.
Narrador: Deixei-a em casa, onde ela me assegurou que a tarde fora realmente massa, e voltei completamente desanimado para o meu quarto. Por alguns segundos, brinquei com a ideia de procurar Pedro e dizer que podia ter sua ficante de volta.
Era evidente que meu projeto estava condenado ao fracasso. Aquela moça tinha, simplesmente, uma cabeça totalmente à prova de lógica.
Mas logo reconsiderei. Perdera uma tarde, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido, que era a mente de Jéssica, algumas “brasas” de inteligência ainda estivessem vivas? Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejassem... As perspectivas não eram das mais animadoras, mas acabei decidindo e tentei outra vez.
Sentado sob a mesmo árvore, na tarde seguinte, disse:
Mateus: Nossa primeira falácia desta tarde se chama por misericórdia.
Narrador: Ela estremeceu de emoção.
Mateus: Ouça com atenção. Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais são as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e seis filhos em casa, que a mulher é aleijada, as crianças não têm o que comer, não têm o que vestir, nem o que calçar, e vive em um barraco que pode desabar durante as chuvas.
Narrador: Uma lágrima desceu por cada uma das faces de Jéssica.
Jéssica: (soluçando e quase chorando): Isso é horrível, horrível!
Mateus: É horrível, mas não é argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre suas qualificações. Em vez disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia Por Misericórdia. Compreendeu?
Jéssica: (entre soluços): Você tem um lenço?
Narrador: Dei-lhe o lenço e fiz o possível para não gritar de desespero, enquanto ela enxugava os olhos.
Mateus (controlando o tom da voz): A seguir discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante as provas. Afinal, os cirurgiões levam radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas e projetos que os orientam na construção de uma casa. Por que, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?
Jéssica (entusiasmada): Pois olhe esta é a ideia mais massa que eu já ouvi na minha vida! Você é um gênio!
Mateus (com impaciência): Jéssica o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo testes para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas. Não tem jeito de comparar uma situação com a outra, entendeu?
Jéssica: Continuo achando a ideia massa.
Mateus: (murmurando e fazendo uma meia careta): Droga! A seguir, tentaremos a falácia hipótese contrária ao fato.
Jéssica: Ah! Essa parece ser boa!
Mateus: Ouça: Se não fosse pela princesa Isabel, a escravidão jamais seria abolida no Brasil.
Jéssica (concordando e sacudindo vigorosamente a cabeça): É mesmo, é mesmo! Brilhante! Você viu a novela? Eu fiquei revoltada como os negros eram tratados. Aquele ator, o Caio Castro é tudo de bom! Ele me fez suspirar!
Mateus: (friamente): Se você conseguir esquecer o Caio Castro por alguns minutos, gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. A escravidão poderia ter acabado de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa como o Dom Pedro II fizesse isto. Muita coisa poderia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese baseada no acaso e tirar dela qualquer conclusão lógica.
Jéssica: Eles deveriam botar o Caio Castro em mais novelas. Ele é lindo!
Narrador: A impaciência voltou a me torturar. Pensei: como um ser humano pode ser tão ignorante? Decidi: mais uma tentativa! Mas só mais uma. A última! Há um limite ao que um homem pode suportar.
Mateus: A próxima falácia é envenenar o poço.
Jéssica: Credo!
Mateus: Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levanta e diz: "Meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só palavra do que ele disser". Agora, Jéssica, pense bem. O que está errado?
Narrador: Vi-a enrugar a sua linda testa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência - o primeiro que eu vira - surgiu em seus olhos.
Jéssica: (com indignação): Não é justo! Isso não é nada justo. Que chance tem o segundo homem se o primeiro diz que é um mentiroso, antes mesmo dele começar a falar?
Mateus: (gritei exultante): Exato! Cem por cento exato! Não é justo. O primeiro homem envenenou o poço antes que os outros pudessem beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar... Jéssica: estou orgulhoso de você!
Jéssica: (murmurando, envergonhada): Ora....
Mateus: Agora vejamos a petição de princípio. Por exemplo: o cigarro prejudica a saúde porque faz mal ao organismo.
Jéssica (confiante): Isto não explica nada, é como se alguém dissesse prejudica porque prejudica.
Mateus: (sorrindo): Exatamente! Este sofisma toma como verdade justamente o que está em discussão. Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo que aprendemos até agora.
Jéssica: (abanando as mãos): Vamos lá!
Narrador: Animado pela descoberta de que Jéssica não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo que dissera até ali. Sem parar, citei exemplos, apontei falhas, martelei “lógica” sem dar tréguas. Era como cavar um túnel. A princípio, apenas trabalho, suor e escuridão. Não tinha ideia de quando veria a luz, ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, cavouquei até com as unhas, e finalmente fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que, finalmente, o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo. Jéssica finalmente parecia ter sido apresentada ao “conhecimento”. Levara cinco tardes de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Jéssica em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Somente agora ela estava apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões, uma mãe adequada para meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentisse amor pela moça. Muito pelo contrário. Na mitologia grega, Pigmaleão amava a mulher perfeita que moldara para si; eu também amava a minha doce Jéssica, que moldei com o suor do meu conhecimento. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar nossas relações, de acadêmicas para românticas.
Mateus: Jéssica: hoje não falaremos de falácias.
Jéssica: (desapontada): Puxa!
Mateus: Minha querida (favorecendo-a com um sorriso) hoje é a quinta tarde em que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
Jéssica: Generalização apressada (exclamou alegremente).
Mateus: Como?
Jéssica: Generalização Apressada. Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?
Narrador: Dei uma risada, divertido. Aquela criança adorável aprendera bem suas lições.
Mateus: (dando um tapinha tolerante em sua mão) Minha querida, cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
Jéssica: Falsa analogia. Eu não sou um bolo, sou uma pessoa. Não se pode comparar duas situações completamente diferentes e chegar à uma conclusão análoga!
Narrador: Dei outra risada, mas agora já não tão divertida. Essa criança adorável talvez tivesse aprendido sua lição bem até demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto meu cérebro privilegiado selecionava as palavras adequadas. Depois comecei:
Mateus: Jéssica, eu a amo. Você é tudo no mundo para mim... é a lua e as estrelas... as constelações no firmamento. Por favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei a comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, me tornarei um fantasma de olhos vazios...
Narrador: Pronto! Eu pensei: está liquidado o assunto. Agora ela cai em meus braços!
Jéssica: Por misericórdia!
Narrador: Cerrei os dentes. Eu não era mais o Pigmaleão da mitologia; era o Dr. Frankenstein, e o monstro que eu havia criado me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava me invadir. Era preciso manter a calma a qualquer preço.
Mateus: (forçando um sorriso): Bem, Jéssica não há dúvidas que você aprendeu bem as falácias.
Jéssica: Aprendi mesmo!
Mateus: E quem foi que as ensinou a você, Jéssica?
Jéssica: Foi você.
Mateus: Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia...
Jéssica: Hipótese contrária ao fato. Eu poderia descobrir através de outra pessoa, ou até mesmo sozinha, algum dia. Não se pode tirar conclusões definitivas baseadas em acasos.
Narrador: Enxuguei o suor do rosto, já lívido – o desespero afigurava-se nítido em meus olhos.
Mateus: (com voz rouca): Jéssica você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
Jéssica (brincando e sacudindo o dedo na minha direção): Generalização não qualificada. Quer que eu diga o porquê?
Narrador: Foi o bastante! Levantei-me num salto, berrando como um touro indomável:
Mateus: (trovejei): Você vai ou não vai me namorar?
Jéssica: Não, eu não vou.
Mateus: Por que não?
Jéssica: Porque hoje à tarde prometi ao Pedro que seria a namorada dele.
Narrador: Quase caí para trás, fulminado por tamanha infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!
Mateus: (gritando e chutando a grama): Aquele safado! Você não pode sair com ele, Jéssica. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.
Jéssica: Envenenar o poço! Que feio! E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.
Narrador: Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei minha voz.
Mateus: Muito bem. Você é uma lógica. Vamos olhar as coisas de maneira lógica então. Como pode preferir o Pedro? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com o futuro assegurado. E veja Pedro um maluco, um boa-vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Pedro?
Jéssica: Posso, sim: ele tem um iPhone! A-do-ro!
Narrador: Ela saiu correndo para os braços do Pedro que se aproximava com o iPhone, colocou um dos fones no próprio ouvido, enquanto eu me culpava pela minha presunção.
Mateus: Amar é um grande erro, porque o amor é uma falácia.
Jéssica: (gritando de longe): Petição de princípio!
Fim

Atividades avaliativas:
Grupos de no máximo 5 alunos

Publique no comentário com o nome dos alunos e a turma.
1) Crie 2 exemplos diferentes para os tipo de falácias descritas no texto
2) Pesquise em jornais ou revistas pelo menos um exemplos de falácias. Publique o exemplo e a fonte de pesquisa.
3) Pesquise no Google pelo menos 2 tipos de falácias diferentes das que aparecem no texto.