terça-feira, 27 de outubro de 2015

Blogs dos alunos da turma 2G



- Ana Lydia: filosofiadana.blogspot.com.br
- Raila Barbieri: emfrente-ou-enfrente.blogspot.com.br
- Fabiano: meditandonaaula01.blogspot.com.br
- Emanuel Veríssimo: ehgverissimo.blogspot.com.br
- Candida Leticia: candidafilosofando.blogspot.com.br
- Rodrigo: meditandoafilosofia2015.blogspot.com.br
- John Wesley: jhonesuasfilosofias.blogspot.com.br
- Henrique Amaro: henriqueeafilosofia.blogspot.com.br/
- Vilian: meditar123.blogspot.com.br
- Luis Abreu: faleeexplique.blogspot.com.br
- Micaelly Binda: Meditarmicaelly.blogspot.com.br
- Marcus Vinicius: marcusvini98.blogspot.com.br
- Breno Rodrigues: juventudespensantes.blogspot.com.br
- Laila Angelo: lailangelo05.blogspot.com.br
- Laiza Angelo: Laizaangelo2015.blogspot.com.br
- Caio Binda: meditacaonasala.blogspot.com.br
- Pedro Henrique Barbosa: http://offyourproblems.blogspot.com.br/
- Amanda Tuller: afilosofiainterior.blogspot.com.br
- Bruna Chaves: artedefilosofar2g.blogspot.com.br
- Beatriz Jourinch: meditacaofilosofica2015.blogspot.com.br
- Marcos Rufino: marcosoi.blogspot.com.br

sábado, 24 de outubro de 2015

BLOGS DOS ALUNOS DA TURMA 2°K

DEYVET WALEF DOS SANTOS MARTINS: http://deyvet0417.blogspot.com.br/
SAMUEL CRISTO FRANCISCO: modoszen.blogspot.com
MARIANA BARBOSA CORRÊA: http://meditinz.blogspot.com.br/
ISABELA CAVASSANI CASTELLUBER: http://isabelacavassanii.blogspot.com.br/
DJULIA TONNES: http://meditisa.blogspot.com.br/
PEDRO HENRIQUE MOREIRA DAMASCENO: http://phmagrin.blogspot.com.br/
ELIZA BARROS: http://elizabr2015.blogspot.com.br/
CAROL FERREIRA: http://carolaf12.blogspot.com.br/
RAFAELA REIS: http://meditamar.blogspot.com.br/
MATHEUS JOAQUIM: http://candido0352.blogspot.com.br/2015/10/como-praticar-meditacao-1.html?m=1
YASMIN MINARINI: http://yas9865.blogspot.com.br/
LUZIA CAROLINA: luziamedita.blogspot.com
JADE VITÓRIO: http://experienciascomjade.blogspot.com.br/
THAIS GOMES LORENZUTTI:  thaisprando.blogspot.com
KAMILLA RODRIGUES: http://kamillaifes.blogspot.com.br/
CAROLINE PISKE: http://carolinepiske.blogspot.com.br/
FRANCIELE:
GABRIEL MARTINS: http://gabrielmedita.blogspot.com.br/
BÁRBARA STORCK: http://bstorck.blogspot.com.br/

LARA SILLER:

Blogs dos alunos da turma 2I

yarameditar17.blogspot.com.br (Yara Baldon)
blogspotjohnny.blogspot.com.br (Johnny Rogeres )
kadnisfasf.blogspot.com.br (Gabriel José )
talyssa8.blogspot.com.br (Talyssa Hoffman)
justkaroldonadia.blogspot.com.br (Karol Donadia)
valkmarques.blogspot.com.br (Valk Marques )
gabrielxmn.blogspot.com.br (Gabriel Soares )
luiz1303.blogspot.com.br (Luiz Henrique )
viverafilosofia23.blogspot.com.br (Bruno Aguiar )
itapinameditando.blogspot.com.br (Felipe Azevedo )
deborafp2015.blogspot.com.br (Débora Franquini )
davidtessarolo25.blogspot.com.br (David Tessarolo )
gugumarquezini01.blogspot.com.br (Gustavo Marquezini )
soareslucio.blogspot.com.br (Mateus Soares )
bossaneli1.blogspot.com.br (Leonardo Bossaneli )
mudramedi.blogspot.com.br (Elizabeth de Jesus )
mateusfrancisco179.blogspot.com.br (Mateus Francisco )
meditacaodavida.blogspot.com.br (Euzébio Oliose Neto )

Blogs dos alunos da turma 2H

Bernardo de Paula Campos

Cristian B. Rocha

Gustavo Lopes

Lara Corona

Larissa Ohnesorg

Gustavo Alves

Ariel Vitoria Goncalves

Lazaro Flegler

Mateus Lopes

Paulo Junior Garcia Muzi

José Carlos Nogueira Naccer

Luma Braga Berger

Joao Paulo Zanotelli Junior

Camila Spindula

Tayná Bolzan


Ronaldo Rodrigues

João Gabriel Couto

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Bertrand Russel - As funções do professor


O ensino, mais do que a maioria das outras profissões, transformou-se, durante os últimos cem anos, de uma pequena profissão altamente especializada referente apenas a uma minoria da população, num grande e importante ramo do serviço público. Essa profissão tem uma grande e honrosa tradição, que se estendeu desde o raiar da história até tempos recentes, mas qualquer professor do mundo moderno que se permite ser inspirado pelos ideais de seus predecessores está sujeito a perceber claramente que a sua função não é ensinar o que ele acha que deve ensinar, mas disseminar crenças e preconceitos que possam ser considerados úteis por aqueles que são os seus empregadores. Em outras épocas esperava-se que um professor fosse um homem de conhecimento ou sabedoria excepcionais, em cujas palavras os homens faziam bem em atentar. Na Antigüidade os professores não constituíam uma profissão organizada, não se exercendo controle algum sobre o que ensinavam. É verdade que, com freqüência, eram punidos, depois, pelas suas doutrinas subversivas. Sócrates foi condenado à morte e afirma-se que Platão foi lançado à prisão, mas tais incidentes não interferiram com a divulgação de suas doutrinas.

Qualquer homem que possua o impulso genuíno de professor mostrar-se-á mais ansioso de sobreviver em seus livros do que em sua própria carne. Um sentimento de independência intelectual é essencial ao desempenho adequado das funções do professor, já que a sua tarefa é instilar o que sabe a respeito do conhecimento e da razoabilidade no processo de formar a opinião pública. Na Antigüidade, desempenhava ele livremente as suas funções, exceto quando se verificavam intervenções espasmódicas e inefetivas por parte de tiranos ou de multidões. Na Idade Média, o ensino tornou-se prerrogativa exclusiva da Igreja Católica, tendo como resultado pouco progresso, quer intelectual, quer social. Com o Renascimento, o respeito geral pela cultura trouxe de novo considerável grau de liberdade ao professor. É verdade que a Inquisição obrigou Galileu a retratar-se e queimou Giordano Bruno na fogueira, mas ambos já haviam realizado o seu trabalho antes de serem punidos. Instituições tais como as universidades permaneceram, em grande parte, nas garras dos dogmatistas, resultando daí que a maioria do melhor trabalho intelectual foi feito por homens de cultura independente. Na Inglaterra, principalmente, até quase o fim do século dezenove, dificilmente se encontravam homens verdadeiramente proeminentes, com exceção de Newton, que estivessem ligados a universidades. Mas o sistema social era tal que isso pouco interferia com as suas atividades ou a sua utilidade.

Em nosso mundo altamente organizado, deparamos com um novo problema. Algo que se chama Educação é ministrado a toda gente, geralmente pelo Estado, mas também, às vezes, pelas Igrejas. O professor transformou-se, assim na grande maioria dos casos, num servidor cortês obrigado a executar as ordens de homens que não têm a sua cultura, não dispõem de experiência quanto ao trato da juventude, e cuja única atitude com respeito à educação é a de um propagandista. Não é muito fácil de ver-se de que maneira podem os professores, em tais circunstâncias, realizar as funções para as quais estão especialmente adequados.A educação pelo Estado é obviamente necessária, mas, de maneira igualmente óbvia, envolve certos perigos contra os quais deve haver certas precauções. Os males que há a temer puderam ser vistos, em sua plena magnitude, na Alemanha nazista, podendo, ainda hoje, ser observados na Rússia. Onde tais males prevalecem, homem algum pode ensinar, a menos que subscreva um credo dogmático que poucas pessoas de inteligência livre são capazes de aceitar sinceramente. Não apenas deve ele subscrever um tal credo, mas, ainda, ser indulgente diante de abominações, abstendo-se de manifestar suas opiniões a respeito de assuntos correntes. Enquanto tal homem estiver apenas ensinando o alfabeto e a tabuada, os quais não despertam controvérsias, os dogmas oficiais não deturpam, necessariamente, a instrução por ele ministrada; mas mesmo quando se acha ensinando esses elementos, espera-se, nos países totalitários, que ele não empregue os métodos que lhe pareçam os mais capazes de produzir os melhores resultados didáticos, mas que inculque medo, subserviência e obediência cega, exigindo indiscutível submissão à sua autoridade. Logo que passa além dos simples elementos, é obrigado a adotar a opinião oficial em tudo o que se refere a questões controvertidas.

O resultado disso é que os jovens se tornaram na Alemanha nazista – e ainda o são na Rússia – intolerantes fanáticos ignorantes do mundo existente fora de seus países, desacostumados inteiramente à discussão livre e incapazes de perceber que as suas opiniões possam ser discutidas sem maldade. Tal estado de coisas, mau como é, seria menos desastroso se os dogmas inculcados fossem, como no catolicismo medieval, não só universais como, também, internacionais. Mas toda a concepção de uma cultura internacional é negada pelos dogmatistas modernos, os quais pregaram um credo na Alemanha, outro na Itália, outra na Rússia e ainda outro no Japão. Em cada um desses países, o nacionalismo fanático era o que mais se ressaltava no ensino dos jovens, resultado daí que os homens de um país não têm nenhuma base em comum com os homens de outro, e que nenhuma concepção de uma civilização comum se coloque no caminho de um ferocidade belicosa.

A decadência do internacionalismo cultural continuou de maneira cada vez mais acentuada desde a Primeira Guerra Mundial... Há países em que o aprendizado do nacionalismo é menos extremo, mas não deixa de ser, em toda parte, muito mais forte do que era antes. Há uma tendência na Inglaterra e nos Estados Unidos para se dispensar os professores franceses e alemães encarregados do ensino de francês e alemão. A prática de se considerar a nacionalidade de um homem, em vez da sua competência, ao designá-lo para um posto, é prejudicial à educação, além de constituir uma ofensa ao ideal da cultura internacional, que foi uma herança por nós recebida do Império Romano e da Igreja Católica, mas que está agora sendo submergida por uma nova invasão bárbara, procedente mais de baixo do que de fora.Em países democráticos, tais males ainda não atingiram nada que se possa compara a essas proporções, mas deve-se admitir que há grave perigo de que semelhantes manifestações se verifiquem na educação, e que esse perigo só poderá ser evitado se aqueles que acreditam na liberdade de pensamento estiverem alerta, a fim de proteger os professores contra a escravidão intelectual. Talvez o primeiro requisito para isso seja uma concepção clara dos serviços que podem ser esperados do professor em benefício da comunidade. Todos concordam com os governos do mundo em que a disseminação de informação de caráter positivamente não controvertível é uma das funções menos importantes do professor. Essa é, certamente, a base em que se elaboram todas as demais e, numa civilização técnica como a nossa, isso tem, indubitavelmente considerável utilidade. Deve existir numa comunidade moderna um número suficiente de homens que possua a habilidade técnica necessária à preservação do aparelhamento mecânico do qual depende o nosso conforto material. Além disso, é inconveniente que uma grande parte da população não saiba ler nem escrever. Por essas razões, somos todos a favor da educação compulsória universal.

Mas os governos perceberam que é fácil, no decurso de tal instrução, inculcar crenças relativas a assuntos passíveis de controvérsia, produzindo hábitos mentais que podem ser convenientes ou inconvenientes aos que se acham à testa do governo. A defesa do Estado, em todos os países civilizados, está tanto nas mãos dos professores como nas das pessoas que pertencem às forças armadas. Exceto nos países totalitários, a defesa do Estado é desejável, e o simples fato de a educação ser usada para tal propósito não constitui, por si só, motivo para crítica. A crítica só surgirá se o Estado for defendido pelo obscurantismo e apelar para a paixão irracional. Tais métodos são inteiramente desnecessários no caso de um Estado digno de ser defendido. Não obstante, há uma tendência natural no sentido da sua adoção por aqueles que não possuem conhecimento de primeira mão relativa à educação. Acha-se muito difundida a crença de que as nações se tornam fortes pela uniformidade de opinião e pela supressão da liberdade. Ouve-se dizer, repetidamente, que a democracia enfraquece um país na guerra, apesar do fato de, em cada guerra importante desde o ano de 1700, a vitória ter ficado nas mãos do lado mais democrático. As nações têm sido levadas à ruína, de maneira muito mais freqüente, devido mais à insistência quanto a uma uniformidade doutrinal acanhada do que devido à discussão livre e à tolerância de opiniões divergentes.

Os dogmatistas do mundo inteiro acreditam que, embora eles próprios conheçam a verdade, os outros serão levados a crenças falsas, se lhes for permitido ouvir os argumentos apresentados por ambas as partes. Esta é uma opinião que conduz a um ou outro destes dois infortúnios: ou um grupo de dogmatistas conquista o mundo e proíbe todas as idéias novas, ou, o que é pior, os dogmatistas rivais conquistam regiões diferentes e pregam o evangelho do ódio contra o outro grupo. O primeiro deste males existiu durante a Idade Média; o último, durante as guerras religiosas e, novamente, em nossos dias. O primeiro torna a civilização estática; o segundo tende a destruí-la completamente. Contra ambos, o professor deve ser a principal salvaguarda.

É óbvio que o espírito partidário organizado constitui um dos maiores perigos de nossa época. Na forma de nacionalismo, conduz a guerras entre nações e, nas outras formas, leva à guerra civil. Deveria ser tarefa dos professores manter-se fora das lutas partidárias e procurar inculcar na juventude o hábito da investigação imparcial, fazendo com que julgue as questões pelos próprios méritos destas e se mantenha em guarda contra a aceitação de afirmações ex parte, apenas pelo seu valor aparente. Não se devia esperar que o professor lisonjeasse os preconceitos quer da multidão, quer dos alto funcionários do Estado. Sua virtude profissional deveria consistir numa presteza em julgar com isenção de ânimo ambas as partes, emprenhando-se por elevar-se acima da controvérsia e manter-se numa região de investigação científica imparcial. Se há pessoas para as quais o resultados das suas investigações possa ser inconveniente, deveria ele ser protegido contra o seu ressentimento, a menos que se possa provar haver ele se dedicado a uma propaganda desonesta, mediante a disseminação de inverdades demonstráveis.

A função do professor, porém, não é somente atenuar a violência das controvérsias. Tem ele tarefas mais positivas a realizar, e não pode ser um grande professor a menos que seja inspirado pelo desejo de realizar tais tarefas. Os professores são, mais do que qualquer outra classe profissional, os guardiães da civilização. Deveriam estar intimamente cônscios do que é a civilização, bem como desejosos de comunicar um atitude civilizada aos seus alunos. Somos, assim, levados à pergunta: que constitui uma comunidade civilizada?Tal pergunta poderia ser respondida, comumente, tendo-se em vista apenas testes materiais. Um país é civilizado se tiver muitas máquinas, muitos automóveis, muitos banheiros e uma grande quantidade de meios rápidos de locomoção. Na minha opinião, a grande maioria dos homens modernos atribui a tais coisas demasiada importância. A civilização, no sentido mais importante, é uma coisa do espírito, e não acréscimos materiais ao lado físico da vida. É, em parte, uma questão de conhecimento e, em parte, uma questão de emoção. Quanto ao que diz respeito ao conhecimento, o homem deveria ter consciência da sua própria pequenez e do seu meio imediato em relação ao mundo no tempo e no espaço. Deveria encarar o seu próprio país não apenas como o seu país, mas como um dentre os demais países do mundo, todos eles com igual direito de viver, de pensar e de sentir. Deveria ver a sua própria época em relação ao passado e ao futuro, percebendo que as suas próprias controvérsias parecerão tão estranhas às épocas futuras como hoje nos parecem as controvérsias das épocas passadas. Adotando-se um ponto de vista ainda mais amplo, deveria ter consciência da vastidão das épocas geológicas e das enormes distâncias astronômicas; mas deveria ter consciência de tudo isso não como um peso que esmagasse o espírito da criatura humana, mas como um vasto panorama que alargasse a mente que o contemplasse. Quanto ao que diz respeito às emoções, é necessário, para que um homem seja verdadeiramente civilizado, um alargamento bastante idêntico de perspectiva, partindo do que é puramente pessoal. Os homens vão do nascimento à morte às vezes felizes, às vezes infelizes; às vezes generosos, outras vezes avaros e mesquinhos; às vezes heróicos, outras vezes covardes e servis. Para o homem que encara esse desfile como um todo, certas coisas se sobressaem como dignas de admiração.

Certos homens foram inspirados por amor à humanidade; outros, pelo intelecto supremo, nos ajudaram a compreender o mundo em que vivemos; e algu7ns outros, mediante sensibilidade excepcional, criaram beleza. Tais homens produziram algo de bom e positivo para contrabalançar o longo registro de crueldade, opressão e superstição. Tais homens fizeram tudo que estava em seu poder para tornar a vida humana uma coisa melhor do que a breve turbulência dos selvagens. O homem civilizado, quando não pode admirar tem eme mente mais a compreensão do que a reprovação. Procurará antes descobrir e remover as causas impessoais do mal do que odiar os homens que se encontrem em suas garras. Tudo isto deveria estar na mente e no coração do professor, pois, se isto estiver em sua mente e em seu coração, procurará transmitir tal coisa aos jovens que se acham sob os seus cuidados.Homem algum poderá ser um bom professor se não tiver sentimentos de cálida afeição para com os seus alunos, bem como um desejo sincero de comunicar-lhes o que ele próprio considera de valor.

Para o propagandista, os seus alunos são soldados em potencial de um exército. Estão destinados a servir a propósitos alheios à suas próprias vidas, não no sentido em que cada propósito generoso transcende o próprio eu, mas no sentido de contribuir para privilégios injustos ou para um poder despótico. O propagandista não deseja que os seus discípulos observem o mundo e escolham livremente um propósito que lhes pareça valioso. Deseja, como um artista podados, que o seu desenvolvimento seja exercitado e retorcido no sentido de adaptar-se ao propósito do jardineiro. E, ao contrariar o seu desenvolvimento natural, torna-se apto a destruir neles todo o generoso vigor, substituindo-o pela inveja, pelo espírito de destruição e pela crueldade. Não há necessidade de que os homens sejam cruéis; ao contrário, estou persuadido de que a maior parte da crueldade é resultado de se contrariar os impulsos dos primeiros anos, principalmente os impulsos no sentido do que é bom.As paixões repressivas e de perseguição são muito comuns, como a situação atual do mundo o prova amplamente. Mas não constituem parte inevitável da natureza humana. Pelo contrário, são sempre, creio eu, resultado de alguma espécie de infelicidade. Deveria ser uma das funções do professor abrir novas perspectivas aos seus alunos, mostrando-lhes a possibilidade de atividades não só agradáveis como úteis, libertando, assim os seus impulsos generosos e impedindo o desenvolvimento do desejo de roubar aos outros as alegrias que lhes faltam. Muita gente se refere com desprezo à felicidade como um fim, mas pode-se suspeitar de que se trata de criaturas amargas. Uma coisa é renunciar à própria felicidade tendo-se em vista uma finalidade pública; mas é inteiramente diferente tratar-se a felicidade geral como se fosse coisa sem importância. No entanto, isso é feito, freqüentemente em nome de algum suposto heroísmo. Há, em geral, nas pessoas que adotam tal opinião, um veio de crueldade, baseado, provavelmente, em inveja inconsciente, sendo que a fonte dessa inveja será encontrada, quase sempre, na infância ou na juventude.

O educador deveria ter por objetivo educar adultos livres desses infortúnios psicológicos, que não se mostrem ansiosos de privar os outros da felicidade porque eles próprios foram privados dela.Como as coisas se encontram hoje em dia, muitos professores se acham incapazes de dar o melhor que podiam de si mesmos. Há várias razões para isso, algumas das quais mais ou menos acidentais, e outras profundamente enraizadas. Começando pelas primeiras dessas razões, convém dizer que a maioria dos professores se acha sobrecarregada de trabalho, sendo eles obrigados a preparar os seus alunos apenas para os exames, em vez de lhes ministrar um treino mental generoso. As pessoas que não estão acostumadas a ensinar – e isto inclui, praticamente, todas as autoridades educacionais – não têm idéia do dispêndio de inteligência que isso envolve. Não se espera que os padres façam sermões, todos os dias, durante várias horas, mas um esforço análogo é exigido dos professores. O resultado disso é que muitos deles ficam esgotados e nervosos, alheios às obras recentes sobre as matérias que ensinam, e incapazes de inspirar aos seus alunos a sensação de prazer intelectual que se obtém através de uma nova compreensão e de um novo conhecimento.Isso não constitui, no entanto, de modo algum, a questão mais grave.

Na maior parte dos países, certas opiniões são reconhecidas como corretas, enquanto que outras são tidas como perigosas. Espera-se que os professores cujas opiniões não são corretas se mantenham calados a respeito delas. Se mencionam as suas opiniões, isso é considerado propaganda, enquanto que a referência a opiniões corretas é considerada como sendo simplesmente instrução sólida. O resultado disso é que as vozes perquiridoras têm com freqüência de sair para fora da sala de aula a fim de descobrir o que é que pensam os espíritos mais vigorosos da sua época. Há nos Estados Unidos uma matéria chamada Instrução Cívica, na qual, mais do que em qualquer outra, se deverá esperar que o ensino conduza a caminhos errados. Ensinam aos jovens, numa espécie de compêndio que parece feito em copiador, como é que se supõe que os assuntos públicos devam ser conduzidos, evitando-se cuidadosamente que os alunos tenham qualquer conhecimento quanto à maneira pela qual são eles realmente conduzidos. Quando se tornam adultos e descobrem a verdade, o resultado é, com muita freqüência, um cinismo completo, no qual se perdem os ideais públicos – ao passo que, se lhes tivessem ensinado meticulosamente qual a verdade e feito, quando ainda bastante jovens, os comentários adequados, poderiam ter-se tornado homens capazes de combater males que, tal como são as coisas, não lhes despertam mais do que um complacente alçar de ombros.

A idéia de que a falsidade é edificante é um dos pecados que assediam aqueles que elaboram os planos educacionais. Eu não consideraria que um homem pudesse ser um bom professor a menos que ele estivesse firmemente resolvido, no exercício de sua profissão, a não ocultar a verdade devido ao fato de não ser ela considerada “edificante”. A espécie de virtude que pode ser produzida pela ignorância protegida é demasiado frágil, rompendo-se ao primeiro contato com a realidade. Há, neste mundo, muitos homens que merecem admiração, e seria bom que os jovens aprendessem a ver as razões pelas quais esses homens são admiráveis. Mas não é bom ensinar-lhes a admirar patifes ocultando a sua patifaria. Pensa-se que o conhecimento das coisas tais como são conduzirá ao cinismo, mas o mesmo poderá acontecer se o conhecimento chegar subitamente a causar surpresa e horror. Se vier, porém, gradualmente, devidamente entremeado com o conhecimento do que é bom, no decurso de um estudo científico inspirado pelo desejo de se chegar à verdade, não terá tal efeito. De qualquer modo, contar mentiras aos jovens, os quais não dispõem de meios para verificar o que se lhes diz, é coisa moralmente indefensável.O que, antes de mais nada, um professor deveria procurar produzir em seus alunos, se se quiser que a democracia sobreviva, é a espécie de tolerância que nasce do empenho de se compreender aqueles que são diferentes de nós. Constitui, talvez, um impulso natural encarar-se com horror e aversão todas as maneiras e costumes diferentes daqueles com que estamos habituados. As formigas e os selvagens condenam os estranhos à morte. E aqueles que nunca viajaram, quer física, quer mentalmente, acham difícil de se tolerar as maneiras estranhas e grotescas de outras nações e de outras épocas, bem como outras seitas e outros partidos políticos.

Esta espécie de intolerância ignorante é a antítese da visão civilizada, constituindo um dos mais graves perigos a que está exposto o nosso mundo superpovoado. O sistema educacional deve ter por objetivo corrigir tal coisa, mas pouquíssimo se fez nesse sentido até o momento. Em cada país, o sentimento nacionalista é encorajado, ensinando-se às crianças das escolas – coisa em que elas se acham bastante prontas a acreditar – que os habitantes de outros países são moral e intelectualmente inferiores aos do país em que os escolares vivem. A histeria coletiva, a mais louca e cruel de todas as emoções humanas, é encorajada, em vez de ser desencorajada, sendo os jovens incentivados a acreditar naquilo que ouvem com freqüência dizer, em lugar de acreditarem naquilo em que há uma base racional para se acreditar. Em tudo isso, não se deve censurar o professor. Eles não são livres para ensinar o que desejam. São eles que conhecem mais intimamente as necessidades da juventude. São eles que, mediante contato diário, se interessam pelos jovens. Mas não são eles que decidem o que deverá ser ensinado ou quais os métodos didáticos que deverão ser adotados. Deveria haver muito mais liberdade do que a que existe na profissão de professor. Deveria haver muito mais oportunidades de autodeterminação, mas independência quanto à interferência de burocratas e intolerantes. Ninguém consentiria, em nossos dias, que se sujeitasse os médicos ao controle de autoridades que nada entendessem de medicina e tencionassem dizer-lhes de que maneira deveriam tratar de seus pacientes, exceto, naturalmente, quando se apartassem criminosamente do propósito da medicina, que é o de curar o paciente. O professor é uma espécie de médico cujo propósito é curar o paciente de infantilidade, mas não lhe permitem decidir por si mesmo, baseado em sua experiência, quais os métodos mais apropriados para tal fim. Algumas poucas universidades históricas, pelo poder de seu prestígio, asseguram uma autodeterminação virtual, mas a imensa maioria das instituições educacionais se acha tolhida e controlada por homens que não compreendem o trabalho em que estão interferindo.

A única maneira de se impedir o totalitarismo em nosso mundo altamente organizado, é assegurar um certo grau de independência aos indivíduos que realizam trabalho público útil, e entre tais indivíduos os professores merecem lugar de destaque.O professor, como o artista, o filósofo e o homem de letras, somente pode realizar adequadamente o seu trabalho caso se sinta como indivíduo dirigido por um impulso criado íntimo, e não sentindo-se dominado e agrilhoado por um autoridade externa. É muito difícil de encontrar-se, em nosso mundo moderno, um lugar para o indivíduo. Pode ele subsistir no alto como ditador num Estado totalitário ou como magnata plutocrático num país de grandes empreendimentos industriais, mas no reino do espírito está se tornando cada vez mais difícil preservar-se a independência das maiores forças organizadas que controlam as existências de homens e mulheres. Caso se queira que o mundo não se veja privado do benefício a ser auferido de seus melhores espíritos, terá ele de encontrar algum método que lhes permita, apesar da sua organização, escopo e liberdade. Isso envolve uma abstenção deliberada por parte daqueles que dispõem do poder, bem como uma percepção consciente de que há homens aos quais se deve dar liberdade de ação. Os Papas da Renascença puderam sentir desse modo com respeito aos artistas renascentistas, mas os homens poderosos de nossa época parecem experimentar maior dificuldade em sentir respeito pelas criaturas dotadas de talento excepcional. A turbulência de nossa época é inimiga da fina flor da cultura. O homem da rua acha-se cheio de medo, não se sentindo, portanto, disposto a tolerar liberdades que não lhe parecem necessárias. Talvez devamos esperar tempos mais tranqüilos, antes de que as reivindicações da civilização possam de novo vencer as reivindicações do espírito partidário. Entrementes, é importante que ao menos alguns continuem a perceber as limitações, pela organização, do que pode ser feito. Todo sistema deveria permitir saídas e exceções, pois, se não o fizer, acabará, no fim, por esmagar tudo o que há de melhor no homem.

(Texto escrito pouco depois da Segunda Grande Guerra, pelo filósofo, pacifista e matemático inglês Bertrand Russel).

sexta-feira, 19 de junho de 2015

"Meu amigo Nietzsche"

O curta foi gravado totalmente na Cidade Estrutural - periferia de Brasília. Conta a história de um garoto que encontra no lixão daquela cidade um livro de Nietzsche que faz mudar tudo em sua vida.





"Meu amigo Nietzsche", o curta foi gravado totalmente na Cidade Estrutural - periferia de Brasília. Conta história de...
Posted by Viver a Filosofia on Quarta, 17 de junho de 2015

segunda-feira, 1 de junho de 2015

MAQUIAVEL. O NASCIMENTO DO REALISMO POLÍTICO MODERNO



Vale Mais Ser Amado ou Temido?

Vale mais ser amado ou temido? O ideal é ser as duas coisas, mas como é difícil reunir as duas coisas, é muito mais seguro - quando uma delas tiver que faltar - ser temido do que amado. Porque, dos homens em geral, se pode dizer o seguinte: que são ingratos, volúveis, fingidos e dissimulados, fugidios ao perigo, ávidos do ganho. E enquanto lhes fazeis bem, são todos vossos e oferecem-vos a família, os bens pessoais, a vida, os descendentes, desde que a necessidade esteja bem longe. Mas quando ela se avizinha, contra vós se revoltam. E aquele príncipe que tiver confiado naquelas promessas, como fundamento do ser poder, encontrando-se desprovido de outras precauções, está perdido. É que as amizades que se adquirem através das riquezas, e não com grandeza e nobreza de carácter, compram-se, mas não se pode contar com elas nos momentos de adversidade. Os homens sentem menos inibição em ofender alguém que se faça amar do que outro que se faça temer, porque a amizade implica um vínculo de obrigações, o qual, devido à maldade dos homens, em qualquer altura se rompe, conforme as conveniências. O temor, por seu turno, implica o medo de uma punição, que nunca mais se extingue. No entanto, o príncipe deve fazer-se temer, de modo que, senão conseguir obter a estima, também não concite o ódio.

 Maquiavel 'O Príncipe' 

Especial Nietzsche - Viviane Mosé - Café Filosófico






Quem tem olhos pra ver o tempo Soprando...
Viviane Mosé 
Quem tem olhos pra ver o tempo
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos?
O tempo andou riscando meu rosto
Com uma navalha fina
Sem raiva nem rancor.
O tempo riscou meu rosto com calma
Eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença).
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
A vida anda passando a mão em mim.
Acho que a vida anda passando.
A vida anda passando.
Acho que a vida anda.
A vida anda em mim.
Acho que há vida em mim.
A vida em mim anda passando.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
E por falar em sexo
Quem anda me comendo é o tempo
Na verdade faz tempo
Mas eu escondia
Porque ele me pegava à força
E por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente
E disse: Tempo,
Se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento
E me olhando nos olhos
Acho que ganhei o tempo
De lá pra cá
Ele tem sido bom comigo
Dizem que ando até remoçando.

sábado, 30 de maio de 2015

Fundamentalismo religioso

A intenção do fundamentalismo é:


Impedir mudanças religiosas, fortalecendo a comunidade de fé própria, criando instituições e normas próprias distintas às seculares.



Considera o texto sagrado inenarrável
Isola o texto, não considerando seu contexto sócio histórico
O texto tem um só sentido: o literal
Considera quem não crê da mesma forma como inimigo
Crença em uma sociedade perfeita que quer reproduzir na terra.









segunda-feira, 16 de março de 2015

Para as aulas de filosofia política e indústria cultural: manifestações de 15 de março de 2015.

Adeptos de intervenção militar falam em guerra civil e jihadistas no Brasil

sábado, 14 de março de 2015

Estudar o Caminho é estudar a si próprio.

"Estudar o Caminho é estudar a si próprio. Estudar a si próprio é esquecer-se de si próprio. Esquecer-se de si próprio é tornar-se iluminado por todas as coisas do universo. Ser iluminado por todas as coisas do universo é livrar-se do corpo e da mente, de si próprio bem como dos outros. Até mesmo os traços da iluminação são eliminados, e vida com iluminação sem traços continua para sempre." 
(DOGEN)


terça-feira, 10 de março de 2015

Texto de apoio para a investigação no Mosteiro Zen


O cuidado de si


Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.

E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.

Fernando Pessoa


Na obra A Hermenêutica do Sujeito, Foucault nos convida a pensar na noção do ‘cuidado de si mesmo’, a qual, para os gregos, designava-se por epiméleia heautoû e, para os latinos, cura sui[1].
Apesar dos múltiplos sentidos que marcaram a epiméleia heautoû, três pontos característicos e gerais devem ser lembrados acerca do cuidado de si: atitude geral, atenção interior e ação transformadora. Como atitude geral é uma forma de se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o mundo, um comportamento orientado por uma disposição interior. Como atenção é um deslocamento do olhar, do foco, do interesse para o si mesmo, um estado de alerta aos próprios pensamentos. Finalmente como ação, a epiméleia heautoû se refere às práticas, exercícios ou técnicas pelas quais nos modificamos.
Se nos detivermos no cuidado de si como técnica que possibilitava o acesso a verdade, ele já estava disseminado por toda a Grécia arcaica e também em outras culturas, nos ritos de purificação, imprescindíveis para o contato com o que os Deuses tinham a dizer; nas técnicas de concentração da alma, que dada a sua grande mobilidade, evitavam sua dispersão, fixando-a num modo de existência; no retiro em si mesmo ou anakhóresis, forma de desligar-se das sensações do mundo exterior; e nas práticas de resistência, que eram um desdobramento da anakhóresis que possibilitava suportar provações dolorosas e tentações difíceis.
O pitagorismo, muito antes de Sócrates, trabalhou com muitas dessas práticas, como na purificação para o sonho, no qual encontramos práticas preparatórias para o contato com o mundo divino, mundo da verdade, como se entendia, entrementes, o sonho. Essa purificação poderia ocorrer mediante músicas, perfumes ou, ainda, pelo exame de consciência. Ao lembrarmos nossas faltas cometidas durante o dia, delas nos livramos. Outro exemplo são as técnicas de provação, como aquelas em que, após praticar uma série extenuante de exercícios, recusa-se uma refeição farta colocada à nossa frente, e se medita sobre ela.
Sócrates é o encarregado pelos Deuses de lembrar e incentivar os homens a ocuparem e cuidarem de si mesmos. Na Apologia de Sócrates, sabemos por meio de Platão, que ao proclamar o cuidado de si em Atenas, ele abre mão de uma série de situações consideradas vantajosas, como fortuna e cargos de poder e que agindo assim, conseguiu despertar, pela primeira vez, os cidadãos de Atenas de um profundo sono. Portanto o cuidado de si é a realidade mais admirável, pois proporciona algo equivalente a uma vida consciente, ativa e desperta.
Como relatado em O Banquete, Sócrates dominava a anakhóresis, prática do retiro em si mesmo, bem como a técnica de resistência. Andava descalço sobre o gelo com mais facilidade do que faziam seus companheiros calçados, e podia manter-se imóvel durante todo um dia e uma noite. Tudo isso parece indicar a sua maestria nas técnicas do cuidado de si.
O termo “anachóresis”, no contexto das práticas de si mesmo, significa um ausentar-se do mundo no qual alguém se encontra imerso, interromper o contato com o mundo exterior, não sentir sensações, não se preocupar com o que passa à nossa volta, fazer como se não se visse o que acontece. Uma ausência visível aos outros.
Como uma técnica complementar da anachóresis era desenvolvida uma prática conhecida como escritura  de si mesmo: os hypomnémata.
Em um sentido técnico, os hypomnémata podiam ser livros de contas, registros públicos, cadernos de notas pessoais. Sua utilização como “livros de vida”, “guias de conduta” era frequente entre o público culto. Neles, anotavam-se as citações de obras famosas, exemplos de conduta, reflexões, raciocínios. Eles constituíam a memória material das coisas lidas, escutadas ou pensadas, um tesouro acumulado para a releitura e a meditação. Esse material servia para a composição de tratados mais sistemáticos nos quais se apresentavam os argumentos e os meios para lutar contra um vício ou para superar os obstáculos e as desgraças da vida.
No Primeiro Alcibíades, vemos, então, surgir, a partir do cuidado de si duas questões. A primeira diz respeito ao sujeito: o que é o si mesmo? E a segunda: qual é a tékhne para um bom governo? “Qual o eu de que devo ocupar-me a fim de poder, como convém, ocupar-me com os outros a quem devo governar?” Resumindo as duas perguntas: o que é o si mesmo, e o que é o cuidado necessário para governar os outros?
Para responder a essas questões, seguiremos as analogias de Sócrates, nas quais diferenciamos os sujeitos e aquilo do qual se servem. Podemos distinguir, na arte da sapataria, os instrumentos, como o cutelo, e o sapateiro. O mesmo verifica-se na música, na qual distinguimos a cítara de seu músico. Mas, e quando agitamos a mãos? Temos aí as mãos e aquele que se serve delas, o sujeito. O corpo não pode servir-se do corpo, o elemento o qual se serve das mãos, dos olhos, da linguagem e de todo o corpo só pode ser a alma. Servir-se este que, em grego khrêsthai/khrêsis, indica um comportamento, uma atitude, relações com os outros e consigo mesmo, mas que não é instrumental, nem substancial, mas sim transcendente e subjetiva.
Ao concebermos a alma enquanto sujeito, o cuidado de si passa a distinguir-se em três outros tipos de atividades. Primeiro, Foucault enuncia o exemplo do médico: quando o médico adoece e aplica sobre si sua arte médica, podemos dizer que ele se ocupa consigo mesmo? A resposta é não, pois ele está se ocupando com o corpo, e não com o si mesmo da alma. A segunda atividade é a economia: quando um proprietário ocupa-se com suas posses, seus bens e sua família, ele está se ocupando consigo mesmo? Não, ele está se ocupando com o que é dele, e não consigo mesmo. Os pretendentes de Alcibíades ocupavam-se com o próprio Alcibíades? Da mesma forma que nos exemplos anteriores, a resposta é negativa, haja vista que eles estavam ocupados com a beleza de seu corpo. Na verdade, quem cuida de Alcibíades é Sócrates, pois apenas ele cuida de sua alma. Sócrates é muito mais que um professor sofista, é mais que um pedagogo, é o mestre da epiméleia heuatoû, pois:

Diferente do professor, ele não cuida de ensinar aptidões e capacidades a quem ele guia, não procura ensiná-lo a falar nem a prevalecer sobre os outros, etc. O mestre é aquele que cuida do cuidado que o sujeito tem de si mesmo e que, no amor que tem pelo seu discípulo, encontra a possibilidade de cuidar do cuidado que o discípulo tem de si próprio (FOUCAULT, 2004a, p. 73).

Sendo assim: o que é o ‘eu’ com o qual é preciso ocupar-se? A alma. O que é ocupar-se consigo mesmo, o que é o cuidado de si? É conhecer a si mesmo, gnôthi seautón. Foucault nos diz que o aparecimento dessa referência ao “conheça a si mesmo”, no Primeiro Alcibíades, é totalmente diferente de outras duas anteriores. Enquanto a primeira surge como prudência, para que Alcibíades relacione suas ambições com suas capacidades, isto é, para que ele perceba suas limitações e a importância em ocupar-se consigo mesmo; a segunda ressurge para responder quem é o si mesmo com que se deve ocupar. E, finalmente, agora o gnôthi seautón emerge de maneira direta e decisiva, para dizer que o cuidado de si é o conhecimento de si mesmo. E este momento afetará toda a cultura greco-romana. A partir daí, surge a justificativa para que o cuidado de si, ou seja, para que todas as práticas espirituais, sejam organizadas em torno do “conheça a ti mesmo”. Apesar disso, em Platão, o conhecimento de si é apenas um aspecto extremamente importante do cuidado de si, relação esta que será revertida alguns séculos depois pelo neoplatonismo.
E como devemos nos conhecer? Para chegar a esta resposta, Sócrates parte do exemplo do olho e do espelho. Quando nos vemos no olho de alguém, semelhante a nós, vemo-nos a nós mesmos. Mas este si mesmo que se vê não é graças ao olho, mas à visão, a qual é também no olho do outro. Para a alma ver-se, é preciso que se volte para um elemento de sua própria natureza. E qual é a natureza da alma? O pensamento e o saber. Sendo divinos o pensamento e o saber, a alma deve voltar-se para o divino, com o fim de conhecer-se a si mesma e receber a sabedoria, sophrosýne. De maneira que, a alma conhecerá a diferença entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso, e saberá, enfim, governar a cidade.
No final do diálogo, Alcibíades compromete-se a ocupar-se com a justiça, pois ocupar-se consigo mesmo ou com a justiça, são equivalentes, já que tudo surgiu a partir da preocupação em se tornar um bom governante. Infelizmente isto não se deu, e é o mesmo Alcibíades que, já mais velho, no O Banquete, lamenta ao dizer que acabou envolvendo-se com os assuntos políticos de Atenas em vez de cuidar de si mesmo.
A questão do cuidado de si implica uma atitude ou um conjunto de atitudes, mediante as quais o sujeito transforma-se a si mesmo e que estão relacionadas a uma conversão do olhar, ou seja, uma mudança no foco da atenção, que se desloca daqueles valores considerados importantes pela maioria (ói polloí) em direção àqueles que são cuidados por poucos (ói prôtoi), tais como a alma, o pensamento e a verdade.

Tal busca, empreendida por Foucault em vista de um princípio tão antigo, como o cuidado de si, suas técnicas e suas transformações, pode gerar uma grande contribuição para entender o sujeito moderno, a história da subjetividade e suas práticas e mesmo a educação como construtora de determinado tipo de sujeito.

"Nossa vida é o que nossos pensamentos fazem dela".
(MARCO AURÉLIO, Meditações, IV, 3)




REFERÊNCIAS
Picoli, Arlindo Rodrigues.  Emancipação e cuidado de si: impactos sobre a pratica educativa desde uma perspectiva foucauldiana. UERJ, 2008.






[1] Literalmente, cuidado de si. Em latim, cura refere-se a uma série de coisas distintas, mas que mantém o sentido de cuidar: cuidado e diligência, mas também, direção, encargo, administração, cuidados de um doente, tratamento, trabalho, obra de espírito, obra literária, livro, causa de cuidado, inquietação, cuidados de amor, tormentos de amor, amor, guarda, guardador, vigia. (FERREIRA, s.d. p. 315).